Inclusão Digital e o Direito Fundamental à Educação é tema de palestra no CEE/PR 31/05/2023 - 13:59
Durante a 4.ª Reunião Ordinária de 2023 do Conselho Estadual de Educação, o Órgão recebeu a Dra. Dâmares Ferreira, que ministrou uma palestra sobre “Inclusão Digital e o Direito Fundamental à Educação”.
Autora de artigos e livros jurídicos, Dra. Dâmares Ferreira é graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Especialista pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Mestre e Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Atualmente, cursa a especialização de Gestão em Ambientes Promotores de Inovação na Unicentro, com ênfase em Certificação em Proteção de Dados Pessoais pela EXIN – uma empresa holandesa que certifica profissionais de Tecnologia da Informação (TI) e credencia organizações na área de treinamento em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e no desenvolvimento de materiais na área.
Para provocar reflexões sobre a inclusão digital e instigar a pensar sobre a presença massiva da tecnologia no cotidiano, a palestrante fez questionamentos acerca do uso da internet, a função de geolocalização do celular, as pesquisas realizadas na rede mundial de computadores, as compras onlines, o armazenamento da identidade facial, o uso de câmeras de monitoramento e diversas outras situações diárias.
De acordo com Dâmares, a tecnologia provocou uma transformação da sociedade em todos os âmbitos: pessoal, cultural, político, profissional. “A tecnologia está presente em todos os lugares ao mesmo tempo, penetrando em todas as áreas ou aspectos da vida: pessoal ou social, interferindo em aspectos do trabalho, da cidadania e de entretenimento. A Internet potencializou a captação de dados, inclusive dados pessoais, de forma exponencial e jamais vista. Hoje, casa, carros e cidades estão imersas em tecnologia”, ressaltou. Sobre isso, comentou que Curitiba é considerada uma Smartcity.
A palestrante, abordou, ainda, sobre os dispositivos vestíveis rastreáveis (dispositivos wearables), que mesclam o mundo digital e o mundo físico, como smartbands, smartwatches (relógio inteligente), fones de ouvido, óculos de realidade aumentada, implantes com sensores, pílulas com sensores, reconhecimento facial, aplicativos, plataformas nacionais e internacionais, e mencionou que as redes sociais são motores de buscas, pois a coleta de dados pessoais nesses espaços é permanente e ininterrupta.
Toda atividade online gera rastro na Internet. Microdados, como nome, endereço e geolocalização, idade, comportamentos, histórico de navegação, interações, compras, medos, opiniões, preferências sexuais, orientação política e ideológica, gostos musicais etc. (ou seja, qualquer informação fornecida), “treinam” algoritmos. Reunidos, esses microdados constroem um perfil comportamental de cada usuário (perfilização). Com os metadados (dados que fornecem informações sobre outros dados), é possível obter informações adicionais que descrevem o que está sendo armazenado ou transmitido e, assim, fazer predições de tendências para os distintos grupos sociais.
“Essa microssegmentação possibilita a informação dirigida. Esses perfis são criados pelas empresas gestoras de redes sociais e motores de buscas e são compartilhados com parceiros comerciais, organizações e governos, para as mais diversas finalidades, desde vender um sorvete até a realização de marketing político”, registrou.
Na sociedade da informação, os dados pessoais tornaram-se commodities e são coletados, tratados, analisados, compartilhados e armazenados. Assim, não apenas a economia, mas também a cidadania são orientadas a dados. As empresas utilizam esses dados para tomada de decisões e planejamento estratégico por meio de Data Driven. Essa metodologia permite às organizações terem uma ideia mais precisa do seu negócio, conferindo a elas maior capacidade de aproveitamento de oportunidades e de antecipação de tendências e problemas. Para isso, as ferramentas utilizadas em empresas data driven coletam dados de diversas fontes, tanto internas quanto externas, e cruzam essas informações de modo a oferecer um panorama mais claro do mercado – clientes, produtos, concorrentes, fornecedores e conjuntura – e da própria organização.
Em meio a essa sociedade cada vez mais tecnológica está a educação. Nesse contexto, a palestrante, que é doutora em Direito, fez inferência ao disposto na Constituição Federal de 1988. De acordo com a Carta Magna, a educação é direito de todos e visa o pleno desenvolvimento da pessoa; o preparo para o exercício da cidadania; e a qualificação para o trabalho. “O sentido do termo educação em 1988 não é o mesmo que o em 2023. Ocorreu uma mutação com a transformação digital, e ao sentido analógico foi acrescentado um sentido digital. É preciso adaptar a oferta educacional às demandas deste tempo”, explicou.
Segundo ela, não há mais razão em distinguir “educação analógica/presencial” de “educação digital”. Ambas se fundiram e criaram um só objeto: a prestação educacional capaz de formar o indivíduo para viver, trabalhar e exercer sua cidadania em 2023, num mundo profundamente mediado por tecnologia.
A advogada defende que o aluno tem direito a uma formação que lhe garanta o pleno desenvolvimento pessoal, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Já o Estado precisa assegurar a correspondente prestação educacional, adaptada no tempo, às demandas do educando em 2023 e ao longo da sua vida. Esse seria o atual direito fundamental à educação, que pressupõe compreender, usar e produzir tecnologia digital, de forma ética, crítica e responsável. Contudo, pelo fato de as pessoas não terem formação a respeito das tecnologias, na maioria das vezes, apesar da permanente conexão, não as entendem completamente, nem conseguem avaliar criticamente os impactos que elas provocam na vida pessoal, social, profissional e política.
Em 2003, o Brasil participou da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, de onde saiu a Declaração de Genebra (2003) e Túnis (2005). A partir daí, passou a estabelecer normas jurídicas e políticas públicas para adaptar a sua prestação educacional às demandas da digitalização. Nesse sentido, a palestrante citou a Lei Federal n.º 13.005/2014, que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE), e chamou atenção para a Meta 7 do PNE (fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem).
Ela destacou, consoante as estratégias previstas no PNE, a necessidade de universalizar o acesso à rede mundial de computadores e promover a utilização pedagógica das tecnologias da informação e da comunicação; institucionalizar e manter, em regime de colaboração, um programa nacional de reestruturação e aquisição de equipamentos para escolas públicas, visando à equalização regional das oportunidades educacionais; e prover equipamentos e recursos tecnológicos digitais para a utilização pedagógica no ambiente escolar a todas as escolas públicas da educação básica, criando, inclusive, mecanismos para implementação das condições necessárias para a universalização das bibliotecas nas instituições educacionais, com acesso à Internet.
De acordo com a Dra. Dâmares, é necessário articular e integrar Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) com Educação, promovendo programas, projetos e ações destinados à inovação e à tecnologia na Educação. Nesse viés, outra normativa que regula o assunto é a Lei Federal n. 14.533/2023, que institui a Política Nacional de Educação Digital (PNED). Esta Lei é aplicável a escolas públicas e privadas de todos os níveis, etapas e modalidades e depende de regulamentação pelo Poder Executivo Federal e pelos órgãos normativos dos sistemas de ensino a partir de duas direções e arcabouços legais que se integram: Ciência, Tecnologia e Inovação e Educação.
Essa Lei estabeleceu quatro eixos para a sua atuação: Inclusão digital; Educação digital escolar; Capacitação e especialização digital; Pesquisa e desenvolvimento em Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Para cada eixo, definiu objetivos e um conjunto de estratégias. “É preciso que haja não apenas a universalização da conectividade, mas um letramento digital, ou seja, a capacidade de usar as tecnologias digitais de forma crítica, criativa e responsável para se comunicar, resolver problemas e aprender. Falta desenvolver a cultura digital, a compreensão da influência das tecnologias digitais na vida pessoal, social, cultural, profissional e política. Precisa, também, desenvolver a cidadania digital, a compreensão das normas sociais e das leis relacionadas ao uso das tecnologias digitais, bem como a proteção da privacidade e segurança digital”, explicou.
De acordo com a Dra. Dâmares Ferreira, durante a pandemia da Covid-19, ficou clara a exclusão digital tanto pelo lado do demandante (aluno), quanto pelo lado do ofertante (escola). Assim, a palestrante comentou que o foco da inclusão digital deve ser o aluno e os profissionais da educação, para terem competência para fazerem a adaptação da prestação educacional e ofertarem: a) letramento digital; b) letramento informacional; c) cultura digital; d) pensamento computacional; e) aprendizagem sobre software; f) direitos digitais, dentre outras competências e habilidades previstas na BNCC e demais atos normativos.
No que tange ao ensino superior, a palestrante comentou que a formação docente, inicial e continuada, terá o desafio de enfrentar, compreender e atuar sobre os impactos da transformação digital e adaptar-se a eles, para que os docentes da educação básica tenham repertório em letramento digital, cultura digital, cidadania digital, direitos digitais, bem como formação específica necessária para ofertar e garantir a aprendizagem das demais competências digitais e as habilidades previstas na Base Nacional Comum Curricular, desde a educação infantil até o ensino médio.
Dra. Dâmares Ferreira comentou, ainda, que os pressupostos para a inclusão digital perpassam a capacitação e especialização digital dos profissionais da Educação. Assim, é preciso haver capacitação docente robusta, inicial e continuada; estímulo a linhas estratégicas de pesquisas e extensão tecnológica; e fomento a projetos de pesquisa e desenvolvimento em Tecnologias da Informação e Comunicação. Dessa forma, é possível pavimentar o caminho para a inclusão digital no Paraná, quer pelo lado da oferta (professores e profissionais), quer pelo lado da demanda (crianças, jovens e adultos).
A advogada frisou que o dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de educação digital, com conectividade de todas as instituições públicas de educação básica e superior à Internet em alta velocidade, adequada para o uso pedagógico, com o desenvolvimento de competências voltadas ao letramento digital de jovens e adultos, criação de conteúdos digitais, comunicação e colaboração, segurança e resolução de problemas.
De acordo com a Dra. Dâmares Ferreira, sem forte atuação e mudança de mentalidade, a inclusão digital plena ficará sempre mais distante. A consequência será o afastamento cada vez maior entre a demanda e a oferta educacional, dificultando, assim, o pleno desenvolvimento do educando e a sua inserção social, profissional e cidadã, em uma sociedade em rede e extremamente digitalizada.
Na ocasião, o Presidente do CEE/PR, Conselheiro João Carlos Gomes, ressaltou a importância do tema tratado e mostrou-se preocupado com o cenário atual. Segundo ele, a pandemia trouxe situações inimagináveis em um contexto complexo. Ainda que o Paraná possua uma situação privilegiada em relação aos demais estados da federação, com diversos projetos viabilizados, o atraso tecnológico pode trazer consequências para os jovens. “O Paraná tem feito um grande esforço, em termos de investimentos, para suprir essa demanda. É necessário capacitar todos os professores, desde a Educação Básica até a Educação Superior das Redes Públicas e Privadas”, comentou o Conselheiro, que enxerga como urgente rever a formação docente para minimizar as necessidades postas no novo contexto social.